Num vídeo, um homem aspira um pó branco e a legenda afirma se tratar de Sergio Massa, candidato ao segundo turno nas eleições presidenciais na Argentina em 2023, contra Javier Milei (que, mais tarde, viria a ser eleito).
Mas, a gravação é manipulada: o vídeo se baseia em outro que circula nas redes sociais pelo menos desde 2016, no qual se substituiu o homem original pela inserção do rosto e voz de Massa.
As imagens foram compartilhadas centenas de milhares de vezes, ainda que diversas agências de checagem argentinas e brasileiras tenham verificado a veracidade do vídeo.
Com as ferramentas de inteligência artificial (IA), muitos processos e serviços foram otimizados e agilizados.
Por outro lado, a possibilidade de manipulação chegou a um nível de sofisticação inédito, garantindo que a desinformação se aperfeiçoe, atinja cada vez mais pessoas e levante cada vez menos dúvidas sobre a autenticidade do material.
O caso envolvendo Sergio Massa ganhou repercussão e tumultuou o processo eleitoral argentino. Neste ano, as eleições municipais brasileiras trarão consigo um desafio a mais: garantir que os mais 156 milhões de eleitores sejam bem-informados e façam escolhas conscientes.
Ruído informacional
Nas campanhas eleitorais, a desinformação pode ser criada para prejudicar ou fortalecer uma candidatura, ou mesmo para que as pessoas passem a desconfiar do próprio processo eleitoral e das instituições envolvidas nele, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
E a desinformação com recursos de IA pode ir mais longe, pois tem mais chances de passar despercebida.
As possibilidades de uso de IA na campanha eleitoral vão desde a melhoria técnica de uma imagem até a criação de um vídeo totalmente falso sobre as realizações de uma candidata ou candidato.
“O maior problema é o potencial da desinformação de desorientar, de provocar acirramentos grupais”, diz Camilo Aggio, professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, com estudos em comunicação, democracia e desinformação.
Ele explica que o modo como se dá o confronto com o contraditório, também é abalado. “Num cenário de desinformação, o contraditório acaba sendo não uma provocação que nos faz refletir e refinar o nosso conhecimento, mas vira um problema que divide, segrega, e implica nessas fraturas que não deveriam existir na esfera pública ou em qualquer experiência democrática”.
Um chamado para ação do TSE
Ao contrário do que se imagina, Inteligência Artificial não é sinônimo de robôs que parecem seres humanos.
Sistemas que sejam capazes de “raciocinar”, ir além da simples realização de comandos, são considerados inteligência artificial. Por meio da identificação e reprodução de padrões, o sistema “aprende” e, com isso, pode ser capaz de produzir textos, imagens, sons e vídeos - a chamada IA generativa.
Diante disso, o TSE criou regras sobre o uso da IA nas campanhas.
“O TSE regulamentou o uso da IA na propaganda eleitoral. Não houve proibição, mas regulamentação. E qual é o princípio básico dela? Que tudo seja informado ao eleitor”, diz Pablo Aragão, secretário de eleições do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG).
“Tudo aquilo que os partidos contratarem de IA e utilizarem na propaganda, tem que estar informado e ser acessível, e a tecnologia utilizada tem que constar nas peças publicitárias”, explica.
Assim, para garantir que o eleitorado não seja enganado, o TSE impôs às candidatas e candidatos o dever de informar, de modo explícito, destacado e acessível, o uso de conteúdo sintético fabricado ou manipulado, gerado por meio de IA para criar, substituir, omitir, mesclar ou alterar a velocidade ou sobrepor imagens ou sons.
O uso de chatbots, avatares e conteúdos sintéticos de comunicação também deve ser devidamente informado.
Para além disso, o uso de conteúdo fabricado ou manipulado digitalmente para difundir desinformação capaz de afetar o equilíbrio das eleições ou a integridade do processo eleitoral, foi completamente proibido.
Esse uso pode configurar abuso de poder político ou uso indevido dos meios de comunicação que, como se sabe, levam à cassação do registro ou mandato e inelegibilidade.
“Se o eleitor está informado, ele é um agente que pode barrar a desinformação. Ela não pode atingir a validade, rigidez e transparência do processo eleitoral deste ano”, afirma Aragão.
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